Caras do meu povo
autor: Newman Sucupira autor convidado

Caras do meu povo

Numa terra em que alfabetizados são aqueles capazes de desenhar o nome, e, creia-me, com tanto jeito para segurar a caneta que por vezes sofrem câimbras, o problema da maternidade desassistida, extremamente freqüente e tantas vezes precoce assume contornos alarmantes.

Para que, afinal, estão vindo esses seres ao mundo? Um grande poeta nordestino, referindo-se aos inascidos, propõe:
?antes, geléia humana, não progridas
e em retrogradações indefinidas,
volvas à antiga inexistência calma!...
antes o Nada, oh! gérmen, que ainda haveres
de atingir, como o gérmen de outros seres,
ao supremo infortúnio de ser alma!?.
Eu não sei se chegaria a esse extremo. Não acho que acharia a vida assim tão miserável. Mas às vezes...

Tendo em vista que o talento não escolhe grupos, fico a imaginar quantos Beethovens, Caravaggios, Camões ou Michelangelos não são ceifados todos os dias simplesmente porque surgiram no grupo errado. Não há talento em solo desértico, não pode haver: a inteligência não resiste à escassez de tudo mais. No meu país, diz-se, 80% do dinheiro está nas mãos de menos de 10% das pessoas.

A chance, portanto, de surgir algum gênio num grupo em que seu desenvolvimento seja possível é de menos de uma em dez quando se tem o país inteiro em perspectiva. Por isso não temos literatura, por isso não temos música, por isso não temos arte (e não me venham pra cá com caetanos velosos e paulos coelhos). E não vejo como venhamos a ter: o pouco que se fez ou não é apreciado ou não é compreendido.

Quando faço fotos desse tipo não sou um ser pensante. Sou um ser fotografante. Mas, depois, quando olho a cópia pronta, esses pensamentos me vêm, e vêm como tabefes, explodindo em minha cara lisa, cujo olhar se dirige à criança com uma indagação tão insistente quanto incômoda: que espécie de gênio você poderia ser se tivesse como?

Texto: Newman Sucupira