Los Empalaos de Valverde de la Vera 24/03/2005
autor: nelson d exposição individual

Los Empalaos de Valverde de la Vera

24/03/2005

Não me vou alongar sobre "Los Empalaos de Valverde de la Vera". As minhas palavras nunca poderiam fazer justiça àquilo que eu não compreendo por ser um homem sem fé. Talvez por isso ande de terra em terra à procura do inesperado. Mesmo que já tenha visto imagens de outros fotógrafos, eu quero ver com os meus olhos. Ser fotógrafo documental é isto: sentir o local, ver, cheirar e ouvir aquilo que não cabe na área de uma fotografia. O trabalho, esse, é sempre incompleto. Daí, estar sempre à procura do próximo local na vã esperança de completar o inacabado.

Sou um homem vazio de fé, o que não compreendo torna-se para mim obscuro e muitas vezes surrealista. As minhas fotografias são quase sempre um espelho do meu vazio.

Mas o meu trabalho como fotógrafo não é questionar a crença nem a religião. O mais que posso fazer é fornecer elementos para que terceiros o façam, caso assim o entendam. Mas cuidado, porque a realidade das minhas fotografias não representa o mundo, quando muito é uma linguagem que precisa de ser traduzida.

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"Los Empalaos de Valverde de la Vera", são penitentes anónimos que no silêncio da madrugada de sexta-feira santa, percorrem as ruas de Valverde. Homens descalços, com um saiote de linho branco carregam nos ombros um pau de arado atado com cordas grossas serpenteando os braços até lhes morder e tolher o tronco. Nas extremidades dos braços penduram-lhes três grossos elos de ferro, chamam-lhes "vilortas" e são idênticos aos que se usam para se puxar o arado. O tilintar severo do ferro é o único som permitido na caminhada do "Empalao" na sua "Via Crucis". Por fim, um par de sabres cruzados é colocado nas costas e na cabeça. Cobrindo o rosto é caído um véu de renda branco completado com uma coroa de espinhos. Assim se torna o "Empalao" anónimo.

Não é fácil, durante o dia de quinta-feira santa, encontrar alguém que nos indique se conhece algum "Empalao". Fiz imensas perguntas, todas as pessoas deram respostas subversivas, todos respeitam os "Empalaos" e não os desmascaram. Penitentes com uma fé profunda, reservam-se ao silêncio e ao anonimato, não procuram fama nem heroísmo, apenas a sua penitência, muitas vezes lavada em lágrimas e em sangue.

Infelizmente não consegui entrar na casa de nenhum "Empalao". Toda a cerimónia da preparação do "Empalao" é muito íntima. Contudo, tive a oportunidade de ver e fotografar a cerimónia organizada pela casa da cultura de Valverde para os media. Pediam carteira de jornalista, não tinha e não tenho. Disse que morava em Portugal a 650km de distância e que tinha ido propositadamente documentar os "Empalaos de Valverde de la Vera". Consegui entrar, eu e mais dois amigos de Portugal.

É então, a partir da meia-noite de quinta-feira santa seguindo pela madrugada adentro, que qualquer porta, de qualquer casa de Valverde, pode ser o início de um caminho de penitência. Por onde passa pede-se silêncio, atrás dele a sua família, embrulhada em cobertores para que o anonimato se mantenha, acompanha-o entoando em silêncio orações. O caminho do "Empalao" é iluminado por uma outra pessoa da família que transporta uma lamparina. Terminado o percurso que envolve 14 paragens em orações breves em frente às cruzes espalhadas por Valverde, o "Empalao", retorna a casa. Aí, depois de lhe tirarem as cordas e o pau de arado dos ombros é necessário alguém da sua família que lhe friccione o corpo com álcool para recupera a circulação do sangue.
O "Empalao" de Valverde de la Vera, pode ser qualquer um.

fotos e texto de nelson d'aires, 2005