Atrás da Cortina de Veludo 2001-2003
autor: Udo Remmes autor convidado

Atrás da Cortina de Veludo

2001-2003

"O daguerreótipo é a evidência que refuta a visão incorreta de que a arte é uma imitação da natureza." As palavras de Heinrich Heine na sua primária forma da fotografia reflectem o que eu considero ser uma avaliação e pensamento complexos de validade duradoura. O veredicto de Heine coloca a fotografia em pé de igualdade com as restantes artes.

A fotografia é sempre fortemente subjectiva. Para mim, cada fotografia é a expressão individual do fotógrafo, da sua natureza e cultura. Esta, une o mito e a ciência. Demonstra processos e estruturas da vida.

A fotografia tem um papel muito importante na minha vida. No seu aspecto científico, as fotografias servem para o diagnóstico médico e analítico do corpo humano. No seu aspecto emocional, é um meio de expressar os meus sentimentos em imagens e símbolos formais, como eu os entendo.

No passado, sobre-estimei a essencialidade, o peso e o drama do primeiro olhar. Obviamente isto foi consequência do meu trabalho no campo do diagnóstico de raios X, e na altura focalizava-me cada vez mais nas coisas que as pessoas consideravam ser de importância secundária. A atmosfera e o ambiente são compostos por muitos pormenores, cada um deles sendo frequentemente pouco espectacular e apenas eficaz se focado especificamente sobre, ou visto como, a parte de um todo. O diagnóstico, que é o resultado do estudo de um conjunto de fotografias, não é apenas a soma dos pormenores. Nem podem os sentimentos humanos ser traçados apenas acrescentando algumas impressões e estados de alma. Ambos os processos são mais complexos do que normalmente nos apercebemos. Emocionalmente não apenas inclui os cheiros e os sons importantes; como frequentemente inclui os fragmentos visuais, olhares laterais, aparentes detalhes periféricos que são decisivos para a nossa avaliação e memória de uma dada situação.

Ser receptivo a todas as impressões conduz a um nível mais elevado de percepção. Ao mesmo tempo, eu ajo de um modo instintivo; sobre o que eu acredito serem os aspectos essenciais de uma situação que virá a ser quando faço fotografias, e porque este momento tem um efeito específico melhor do que outro sobre mim. Frequentemente as minhas fotografias são criadas quando coloco a minha câmara de lado e me disassocio dos aspectos técnicos da fotografia.

Eu não posso confiar na tecnologia de câmara para fazer uma fotografia tão impressionista, embora eu também não queira planeá-la ao infíno pormenor. No entanto, planear é por vezes deliberado e necessário para determinadas razões, por exemplo no estúdio ou ao fazer fotografias de paisagem. O ajuste e manipulação da câmara são essencialmente intuitivos, embora de nenhuma maneira ocasionais. O conhecimento e a experiência ganhos através da física óptica constituem a base, as ferramentas que eu necessito. Podem ser comparados com um artista ou poeta e a sua utilização de uma caneta no papel. A câmara é a minha caneta e papel. Eu escrevo e desenho com luz. Tento criar pequenos poemas e esboços das pessoas e das coisas que me comovem e movem. Eu não estou interessado em documentar o óbvio.

A atmosfera dos bastidores é muito especial porque é um lugar entre mundos; entre a familiaridade da realidade diária e o mundo do palco. Naquelas palcos, o mundo é real e irreal. Este é um paradoxo necessário, porque o mundo artificial do teatro e particularmente o drama são baseados em situações da vida real. Cria sensações que não podem ser invocadas por nenhuma outra forma de arte.

Sinto esta atmosfera única e inesquecível mais intensamente nos bastidores durante os ensaios, quando os actores trocam realidades, frequentemente de um segundo para o outro. No entanto, encontrei o melhor acesso a este estado real de irrealidade mais à frente nos workshops do teatro, no g
uarda-roupa e no cenário. O caminho conduz através dos ensaios, maquilhagem e guarda-roupa, culminando no pequeno passo que vai desde os bastudores ao palco aberto. Aqui é onde o drama é transformado numa forma de arte. Aplausos e abraços depois do desempenho, contudo depois de alguns minutos - enquanto o público ainda está no bengaleiro - este país das maravilhas dissipa-se em escuridão e silêncio.

Nenhuma visita guiada a um teatro pode dar a conhecer aos que conseguem compreender, a impressão do fantástico e espantoso espectáculo que ali ocorre, noite após noite, repetidamente.

Eu tive a oportunidade recompensadora de acompanhar pessoas em várias Óperas ruropeias nas suas viagens entre estas realidades. Tentei tomar notas e escrever pequenos poemas com luz no celulóide e enviá-los para o mundo exterior; porque nós espectadores estamos curiosos em saber o que está atrás da magia do teatro e como é criada.

No entanto, não é minha intenção revelar ou levantar o véu desta magia, nem documentá-la. Eu não desejo criar um "Making of...". Prefiro que as minhas fotografias contem pequenas histórias que deixam espaço à imaginação individual e incentivam as pessoas a irem regularmente ao teatro e exporem-se a esta magia. As minhas fotografias relacionam o imenso trabalho de bastidores, os esforços, as emoções, a concentração, oásis de silêncio, alegria e exaustão do outro lado da cortina de veludo.

Texto: Udo Remmes
Tradução: Sofia Quintas